Missão e Visão

Missão: Fomentar a produção científica dos diversos setores clínicos do Hospital, criando um ambiente acadêmico na Instituição.

Visão: Projetar o Hospital São Rafael no cenário nacional e internacional, como uma instituição cientificamente produtiva e cuja cultura de pensamento clínico seja embasada no paradigma científico.


sábado, 23 de maio de 2015

Como Construir um Projeto de Pesquisa


Ao ler de um artigo científico, assistir a uma palestra, conversar com um colega, vivenciar a prática clínica ou até mesmo durante o ócio, é comum que surjam ideias de trabalhos científicos. Neste momento, é muito bom que nossa mente esteja livre, trabalhando no intuitivo, na inspiração, sem preconceitos ou rigidez, para que a criatividade de faça presente. É o momento das ideias. 

Bons clínicos e cirurgiões são excelente criadores de ideias para pesquisa. Porém na maioria dos casos, o projeto em potencial fica apenas na ideia, não avança. Para levar a ideia a frente, não basta a mente criativa (cérebro direito), precisamos desenvolver a mente técnica (cérebro esquerdo). É esta mente que transformará a ideia genial em uma realidade prática. 

Uma mente técnica capaz de concretizar um projeto de pesquisa necessita de duas competências: a  gerencial e a científica. É comum pessoas que entendem de metodologia, porém cuja organização não os permite executar as ideias. Existem também aqueles organizados, bons gerentes do tempo, porém sem vocação para metodologia científica. O ideal é trabalharmos os dois perfis.

O Desafio Gerencial

Há muitas coisas para fazer durante um dia que são importantes. Vejam o exemplo da escovação dos dentes, algo muito importante, que não podemos deixar de fazer. No entanto, nosso objetivo do dia não pode ser apenas escovar os dentes. Por mais absurdo que este exemplo possa parecer, muitas vezes é isso que acontece conosco. Somos tão absorvidos por atividades cotidianas, que não temos tempo para nos dedicar a coisas que fogem de nossa rotina, mas que seriam transformadoras. Cuidar de pacientes com qualidade é a essência de nossa profissão, porém transformador é algo além do essencial, como por exemplo a atividade científica. 

No entanto, é difícil conseguir acrescentar atividades de pesquisa em nossa rotina, pois o assistencial domina nosso tempo. Para resolver essa questão, precisamos separar nitidamente uma coisa da outra. Uma coisa é assistência, outra coisa é pesquisa. São como duas profissões diferentes e cada uma deve ter seu tempo específico (mesmo que um tempinho só para pesquisa). Na ausência desta disciplina, seremos sempre envolvidos pelo manancial do urgente (assistência), deixando sempre para amanhã as ações transformadoras (ciência). Planejamento é essencial para que não sejamos tomados pela urgência do assistencial. 

Isso é fácil falar, mas difícil de executar. Daí o motivo porque a maioria não executa. Esse papo cabeça está no início desta postagem, pois um projeto de pesquisa nada mais é do que um plano de ação e este plano só vai dar certo se soubermos distinguir quais as nossas atividades essenciais (assistência) e quais as transformadoras (ciência). As duas são importantes, mas precisam ser planejadas com enfoque diferente.


Less is More

Ideias temos muitas, a arte está em escolher as ideias que receberão um NÃO desta vez, em prol daquela ideia que receberá um grande SIM. Há muito mais chance de sucesso quando planejamos executar 1 objetivo com excelência, do que 12 objetivos ao mesmo tempo. Aqueles que começam com 12 objetivos aparentam fazer muito, porém não conseguem nada (em geral). Isso é o mais comum. Fazendo um de cada vez, chegaremos aos 12 depois de algum tempo. Na verdade, pode ser um pouco mais de 1 projeto, talvez 2 ou 3. No entanto, recomendo sempre 1 projeto a quem está querendo sair da inércia, pois em um momento inicial, o insucesso pode ser altamente frustrante. E quanto maior o número de projetos, maior o risco de insucesso.

Escolhida a ideia, temos que montar um plano de execução. É intuitivo que devemos começar sabendo onde queremos chegar. Mas não é apenas no ponto de chegada que devemos focar durante a execução. Para garantir o sucesso na chegada, devemos focar muito mais no processo do que no desfecho. E o processo é simplesmente dedicar alguma (mesmo que pequena) parte de nossa rotina à pesquisa. 

Para ter sucesso na perda de peso devemos focar mais na balança ou na ingesta calórica? Claro que na ingesta calórica, focar na balança ao longo do processo pode ser frustrante. Ficar pensando que tenho que terminar de escrever aquele projeto hoje, pode ser frustrante. Portanto, os gerentes do tempo recomendam que foquemos no processo. Por exemplo, ao longo do tempo meu foco será sentar na frente do computador toda quarta-feira a noite, durante 2-3 horas. Se isto for executado de fato, o projeto ficará pronto em algum momento e este momento poderá ser até antes do planejado.

Assim, devemos saber focar de duas formas: em uma ideia (ao invés de várias) e no processo da rotina. Esse é o segredo do bom planejamento.

O Desafio Científico (o bom projeto)

Muitos acham que o projeto de pesquisa deve ser escrito para que o estudo possa ser submetido ao CEP, concorrer a uma vaga no mestrado ou submeter a um edital de fomento. Tudo isso é útil, porém a maior utilidade do projeto de pesquisa está em organizar nossa mente sob uma ótica científica. O processo de escrever o projeto nos leva a importantes questionamentos, que clareiam nosso pensamento em relação à ideia.

O projeto de pesquisa é a racionalização da ideia, ou seja, sua tradução para um formato metodológico, construindo-se um plano para responder à pergunta da pesquisa. Esse plano é voltado para garantir a qualidade (confiabilidade) da informação a ser gerada pela pesquisa, prevenindo viéses e erros aleatórios.

Ao escrever um projeto, devemos responder a três perguntas: O que faremos? Por que faremos? Como faremos? Respectivamente, objetivo, justificativa e método.

Tudo Começa pela Definição do Objetivo 

Quando surge uma ideia, devemos nos perguntar: como eu descreveria o objetivo deste estudo? Este é o pilar principal, pois o projeto todo deve girar em torno desse objetivo. E o objetivo nada mais é do que responder a uma pergunta. Portanto, se identificarmos corretamente a pergunta, fica fácil descrever o objetivo. Em minha experiência, em torno de 70% das pessoas que estão fazendo uma pesquisa não conseguem responder com clareza à pergunta “qual o objetivo de seu estudo?”. E não conseguem, pois de fato o objetivo não está claro na mente daquele pesquisador. Daí ele (ou ela) se atrapalha todo, explica o porquê (justificativa), fala como vai fazer (método), mas não consegue falar a pergunta da pesquisa. Quando não diz “deixe eu abrir meu powerpoint pra lhe explicar.” Se a pergunta estiver clara, a resposta virá de forma imediata, em uma frase.

Observem, eu posso dizer que o objetivo de meu projeto é “correlacionar índice de massa corpórea e glicemia em adultos”. E daí, qual a pergunta do projeto? Qual o sentido de saber se essas coisas são correlacionadas? Na verdade, a pergunta da pesquisa não está corretamente explícita na sentença. Vejam a forma correta de colocar o objetivo, a forma que deixa a pergunta explícita, clareando a mente do pesquisador sobre aonde ele quer chegar: "Testar a hipótese de que excesso de peso predispõe a elevação da glicemia." “Correlacionar” é na verdade o método do trabalho, ou seja, como a pergunta será respondida. Sendo assim, devemos ficar atentos para não confundir objetivo com método.

Na descrição do objetivo, devemos descrever a população-alvo (P), a intervenção (I) testada (exame, tratamento, etc) e o desfecho (O = outcome) que está sendo avaliado. Para nos condicionarmos, utilizamos o acrônimo PICO. O C é de controle (grupo controle), mas nem sempre é necessário.

Em adultos aparentemente saudáveis (População), testar a hipótese de que excesso de peso (Intervenção) predispõe a diabetes (Outcome). Excesso de peso estaria funcionando como uma intervenção que levaria ao desfecho. 

Essa simples descrição de nossa pergunta da pesquisa é a chave para a construção de um projeto lúcido. 

Usamos o termo objetivo primário para descrever a pergunta que motivou a realização da pesquisa, a razão de sua existência. Podemos descrever também objetivos secundários, que seriam outras perguntas que iremos para explorar, mas que o estudo não foi desenhado exatamente para estas. 

Mas cuidado para não se perder descrevendo um manancial de objetivos secundários. Isso pode tirar o foco do que é importante. Muitas vezes quando vejo um projeto cheio de objetivos secundários, é porque o objetivo primário não está convincente para o pesquisador e ele tenta preencher o vazio com outros objetivos. Muitos objetivos secundários podem sugerir que o primário está fraco. Na verdade, gosto de ver quando um pesquisador cita apenas um objetivo, o primário. É como se ele soubesse o que realmente quer. 


O Desenho do Estudo

Uma vez definida a pergunta, partiremos para o desenho do estudo. Neste processo de definição, vem a reflexão de se o objetivo é descritivo ou analítico. Isso nos ajuda a planejar os métodos do trabalho, do desenho à análise de dados. A diferença primordial é que no estudo analítico, temos uma hipótese que está sendo testada, enquanto no descritivo, apenas relatamos como algo se comporta

Descrever a incidência de câncer de mama em mulheres com marcador genético X positivo. Observem que não há teste de associação, não há hipótese testada, apenas uma descrição. A pergunta é “qual a incidência?

"Testar a hipótese de que o marcador genético X predispõe a câncer de mama." Agora estou comparando a incidência de câncer em pessoas com marcador positivo versus pessoas com marcador negativo. Há uma pergunta sendo testada, que a resposta será SIM caso haja diferença entre os grupos e NÃO caso não haja diferença. Este é um estudo analítico

Desta forma, se faz útil definir se o estudo é descritivo ou analítico, pois essa percepção levará ao modelo de estudo ideal. 

No descritivo, tente começar a frase com a palavra “Descrever …”
No analítico, comece a frase mental por “Testar a hipótese de que …” Assim, você acertará. 

Usualmente, em uma discussão bem direcionada, consigo definir em 30 minutos o objetivo da pesquisa. Esses são os 30 minutos mais bem aplicados em todo o processo da pesquisa. São os 30 minutos de ouro. Gosto de chamar de Golden Minutes

Em segundo lugar, pensaremos no estudo quanto à sua temporalidade. Um estudo descritivo pode ser transversal ou longitudinal. No transversal, quero descrever o momento presente: dentre as pessoas que se apresentam com dor torácica na emergência, quantas estão infartando? Esta pergunta descritiva diz respeito à prevalência de infarto em pacientes com dor torácica, é uma pergunta que se refere ao presente, sendo este um estudo transversal

No longitudinal (coorte), quero descrever a evolução do paciente: quantas pessoas admitidas com infarto morrerão durante o internamento? (incidência, futuro).

Um estudo analítico, também pode ser transversal ou longitudinal. No transversal: dentre pessoas com dor torácica em aperto, há maior proporção de gente infartando (presente), comparado a pessoas com dor torácica em pontada? Observem que estou comparando dois grupos, no intuito de testar a hipótese de que dor em aperto aumenta a probabilidade do quadro clínico se tratar de infarto. No longitudinal: dentre infartados, mais pessoas morrerão (futuro) se a dor for em aperto, comparado a dor em pontada?Estou portanto, testando a hipótese de que dor em aperto prediz morte em infartados. 

Portanto, podemos ter um estudo descritivo-transversal, descritivo-longitudinal, analítico-transversal, analítico-longitudinal. 

Em uma terceira forma de pensamento, reflitam se seu estudo tem o caráter diagnóstico, prognóstico ou tratamento. 

O estudo diagnóstico tem o objetivo de testar a hipótese de que um método é acurado. Para isso, teremos que (por exemplo) comparar a frequência (momento presente) de inversão da onda T no eletrocardiograma entre pessoas com infarto versus pessoas sem infarto. Isso é analítico-transversal. No estudo prognóstico, podemos apenas querer descrever a mortalidade do infarto (descritivo-longitudinal) ou testar a hipótese de que idosos com infarto têm maior mortalidade do que jovens com infarto (analítico-longitudinal). Já o estudo que testa eficácia de um tratamento deve ser analítico-longitudinal, pois haverá a comparação entre os grupos tratamento versus controle (analítico) e esta comparação será prospectiva, pois se aplica o tratamento e depois veremos o resultado no futuro. O futuro pode ser minutos (morfina reduziu a dor), horas, dias, meses, anos. Mas sempre haverá um seguimento para o futuro. 

Recapitulando, primeiro definimos o Objetivo (pergunta), depois o desenho, sob 3 aspectos: forma de análise (descritivo ou analítico), temporalidade (transversal ou longitudinal) e aplicação prática (diagnóstica, prognóstico e tratamento).

A partir de agora, sempre que lerem um artigo ou discutirem um projeto, procurem classificar o estudo destas 3 formas. Vocês perceberão que depois disto feito, o projeto estará sob seu controle, em suas mãos. Terão uma sensação plena de clareza do que querem testar e de como será feito.

Mas o principal é nunca se esquecer de definir a pergunta da pesquisa. Muitos se esquecem …

Justificativa

Antes de dizer como faremos (métodos), precisamos convencer o leitor de que aquela pergunta de pesquisa é importante, que se justifica. A justificativa de um projeto deve passar por 4 ítens, algo que pode ser dividido em 4 parágrafos. O primeiro, a importância do problema, onde diremos que aquela doença é grave ou frequente, ou qualquer outro argumento que mostre que a questão é relevante. Em seguida, quando se trata de uma hipótese a ser testada, devemos explicar o mecanismo da ideia. Por  exemplo, como o excesso de peso elevaria a glicemia? Em terceiro lugar, partimos para a originalidade, onde demonstramos que aquela pergunta ainda não está plenamente respondida, dando uma noção do que existe na literatura àquele respeito. De forma opcional, podemos terminar falando do impacto clínico ou científico da informação que será gerada pela pesquisa. Sendo assim, usando esse checklist de 4 pontos, escreveremos sem dificuldade a justificativa, que geralmente é chamada de Introdução. Não devemos nos esquecer de sempre colocar as referências que dão suporte ao mecanismos da ideia e aos nossos argumentos de originalidade. 

Métodos

Agora com a ideia de O QUE e POR QUE, precisamos traçar a nossa estratégia (COMO). O método de projeto clínico consta de 3 passos: recrutamento dos pacientes (seleção da amostra), o que faremos com estes pacientes (protocolo) e como analisaremos estes dados.

Na seleção da amostra, precisamos definir a população-alvo. Aliás, essa já foi definida no objetivo, onde descrevemos o P. Depois descreveremos os critérios de inclusão, que detalham exatamente o que define pacientes com aquela característica. Minha população-alvo pode ser pacientes internados por infarto do miocárdio. Em seguida, direi o que é infarto do miocárdio para este protocolo: paciente com dor precordial, eletrocardiograma isquêmico e troponina positiva. É o que garante o ingresso do paciente no estudo, os critérios de inclusão. Depois vem os critérios de exclusão, que representam pacientes da população-alvo que por algum motivo não poderão estar no estudo. Por exemplo, quero avaliar o efeito de uma droga na fração de ejeção do ventrículo esquerdo em pacientes com insuficiência cardíaca. Gostaria de avaliar todos os pacientes com IC, mas terei que excluir aqueles cuja imagem ecocardiográfica não permite a medida da fração de ejeção. Isso é um critério de exclusão, pois este paciente deveria estar no estudo, mas uma limitação o impede. Não confundam critério de exclusão com ausência de critérios de inclusão. Ser normotenso não é critério de exclusão, em um estudo de hipertensos. Pensem que o conjunto de pacientes com critérios de exclusão devem ser um subconjunto de pacientes que tem critérios de inclusão. 

Em seguida, falaremos do protocolo do estudo, ou seja, o que faremos com os pacientes recrutados. Se for um estudo diagnóstico, como o exame será feito e quem será o padrão-ouro que usaremos como referência; em um estudo prognóstico, como os dados dos preditores serão colhidos; e no estudo tratamento, descreveremos a intervenção terapêutica testada, como os pacientes serão alocados para tratamento ou controle. Nesta sessão entra como a randomização será feita e se o estudo é cego. E nos estudos prognósticos ou de tratamento, precisamos definir claramente o desfecho primário: se eu falar que o desfecho será morte, como definirei isso: é qualquer morte ou morte por causa cardiovascular? E o que seria morte por causa cardiovascular?

Percebam que estou sendo bastante sucinto, pois essa parte varia muito de estudo para estudo, caberia uma postagem diferente para cada caso. Mas não é tão complicado, vocês vão apenas descrever o que será feito.

Por fim, vem a análise de dados ou análise estatística. No estudo analítico, é importante que a gente defina qual a variável preditora (peso) e a variável desfecho (glicemia). Depois falaremos como será feita a comparação estatística: "usarei correlação de Pearson para avaliar a associação linear entre peso e glicemia". Na descrição estatística, é importante que as variáveis analisadas no estudo sejam citadas. Não usem uma frase sem alma, do tipo que tem em livro de estatística: teste t de student para comparar variáveis numéricas entre grupos. Isso não é o método de SEU trabalho. O método de seu trabalho deve dizer o que você vai comparar: teste t de student para comparar a fração de ejeção entre os grupos droga e placebo.



Esta postagem foi escrita no intuito de servir de um guia geral para o início do pensamento. Quanto usamos um guia para nos orientar, temos mais facilidade para começar, evoluir e concluir o pensamento. Esse guia não deve ser visto de forma rígida, é apenas como um corrimão que os ajudará a subir a escada, mas os degraus desta escada são vocês que devem fazer, se permitindo ter criatividade, sem medo de ser criticados por pseudo-acadêmicos que se incomodam algum formato que foge ao habitual. Ciência é criatividade, e a academia deve estimular a criatividade. 

O importante é focar na procura de uma pergunta clara para o projeto e na construção de um método que previne viéses ou erros sistemáticos. E sempre se lembrando que não basta a mente científica, a capacidade gerencial é muito importante para fazer com que não fiquemos apenas no campo das ideias. 

Boa sorte. 




A para assistir às nossas vídeos aulas sobre medicina baseada em evidências, usem o link medicinabaseadaemevidencias.com

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Acurácia do Escore MEWS na Predição de Complicações Clínicas em Pacientes Internados em Enfermarias de Hospital Terciário



Nesta sessão, Joseneide Queiroz apresentou o projeto da gerência de enfermagem, intitulado "Acurácia do Escore MEWS na Predição de Complicações Clínicas em Pacientes Internados em Enfermarias de Hospital Terciário".


A utilização deste tipo de escore como gatilho do acionamento dos times de resposta rápida tem sido recomendada pelos sistemas de acreditação, sendo que o MEWS é o mais comumente adotado pelos hospitais. 

No entanto, a filosofia do HSR é inquieta e permeada pelo pensamento científico. Desta forma, a gerência de enfermagem não se contentou em adotar passivamente este escore. Decidiu por avaliar criticamente a  acurácia desta ferramenta, a fim de concluir a respeito da adequação desta recomendação.

Ou seja, pode ser que o aumento da sensibilidade que um protocolo como este traga reduza a especificidade, banalizando os chamados do time de resposta rápida. 


Foi escolhido um desenho de estudo que não necessitasse na inclusão de todos os pacientes do hospital, por questão práticas. Assim, o estudo foi definido como um caso-controle, onde o MEWS de 100 pacientes-dia com desfechos serão comparados a 100 pacientes-dia sem desfecho. Em seguida, a partir da definição de quem teve desfecho, uma curva ROC caracterizará a acurácia do MEWS como variável numérica, sendo em seguida descritas as sensibilidades e especificidades de diferentes pontos de corte. Este sequência de análise de dados foi toda definida no produtivo brainstorm que ocorreu espontaneamente no Auditório São Lázaro. Foi bonito de ver tantas pessoas envolvidas em um protocolo assistencial discutindo de forma entusiasmada a visão científica daquele processo. 

Ao lado do protocolo TEV, este é mais um projeto da qualidade assistencial que é transformado em pergunta científica.  Mais um exemplo da interação científico-assistencial. 

Predição de Risco de Tromboembolismo Venoso em Pacientes Hospitalizados em Unidade Terciária




Nesta sessão, Márcia Noya apresentou o projeto intitulado "Predição de Risco de Tromboembolismo Venoso em Pacientes Hospitalizados em Unidade Terciária". 


Originalmente, este é um protocolo da qualidade assistencial e DIMED, com intuito de estratificar o risco de TEV e reforçar a necessidade de medidas preventivas naqueles de risco mais elevado. Dois escores preditores existentes foram implementados neste protocolo.



Porém, seguindo o paradigma da medicina baseada em evidências, surgiram as questões: estes escores implementados são modelos preditores acurados? Há possibilidade de aprimoramento da capacidade de predição, através da criação de modelos mais completos?



Desta forma, em paralelo ao protocolo da qualidade assistencial, Márcia, Marcelo Liberato, Luiz Soares et al desenvolveram um protocolo de pesquisa cujo objetivo é responder as questões acima. É um exemplo de aproximação de ciência clínica e qualidade assistencial.

De forma didática, Márcia iniciou exemplificando como o pensamento intuitivo nos engana e que coisas plausíveis precisam ser testadas quanto à veracidade do seu valor clínico. Foram demostradas as principais medidas estatísticas utilizadas para avaliar acurácia prognóstica, servindo de um momento de aprendizado importante para todos.

Essencialmente, discutiu-se na sessão uma estratégia que simultaneamente aumentasse poder estatístico e garantisse a qualidade dos dados. Utilizar todos os pacientes do hospital (protocolo TEV) traria certa inacurácia na definição do desfecho, que seria determinado por um relato do médico no momento da alta. Por outro lado, restringir a amostra em prol da qualidade reduziria o número de desfechos. Decidiu-se portanto, escolher uma amostra menor, porém todos estes pacientes seriam sistematicamente avaliados por ultrassom venoso de membros inferiores. Assim, não serão computados apenas desfechos clínicos, mas também os assintomáticos cujo exame mostra trombose. Isso aumento a incidência de 2% para 22%. Esta é uma forma de aumentar o número de desfechos em estudo de menor número de pacientes, o que melhorará  a qualidade dos dados coletados. 

Um grande exemplo de que mentes podem pensar em conjunto, criando uma terceira solução melhor que as anteriores. 

Utilização de Imagem Térmica na Avaliação da Perfusão Periférica de Pacientes com Choque Séptico



Nesta sessão científica, o coordenador da clínica médica, Rogério Passos, apresentou sua criativa ideia de utilizar uma câmara térmica para avaliar o estado evolutivo do choque séptico, visto que em pacientes em fase vasodilatada, a temperatura tende a aumentar em certas regiões do corpo. 

Estas câmaras são prioritariamente utilizadas na indústria e Rogério teve o apoio da engenharia clínica na confecção de seu protocolo. Representa mais um estudo de acurácia, sendo discutida nesta sessão a importância de uma clara definição do padrão-ouro para determinar a fase do choque em que o paciente se encontra. Sendo provocado, Rogério definiu que a referência será medidas de débito cardíaco e resistência periférica. Esta foi uma importante definição surgida da discussão. 

Outra discussão foi como o exame seria interpretado: um valor único ou desvio-padrão que mostrasse heterogeneidade térmica na pele do indivíduo? Sendo um estudo pioneiro, exploratório e gerador de  hipótese de acurácia, concluímos que não se faz necessário neste momento a escolha de uma forma primária de avaliação. De forma exploratória, serão avaliados vários tipos de resultados que a câmara fornece. 

Houve tendência a se discutir valor prognóstico do método, o que daria maior valor clínico. Porém optou-se por considerar este o primeiro estudo de uma linha de pesquisa. A evolução ser dará com estudos em sequência. O foco inicial será no mais simples, o que aumenta a chance de sucesso. 

Este é exemplo de trabalho sobre inovação tecnológica, representada pela originalidade de uma ideia em utilizar uma câmara térmica para inferir a respeito de perfusão em pacientes sépticos. Inovação e tecnologia aplicada. 

Incremento na Acurácia da Cintilografia de Perfusão Miocárdica pela Aquisição de Imagens em Posição Prona



Neste sessão foi discutido o projeto de pesquisa da Medicina Nuclear, apresentado por Lucas Vieira, coordenador deste setor. 

Cintilografia miocárdica é o método de imagem não invasivo mais utilizado para diagnóstico da doença isquêmica do coração em nosso Hospital. Diversos serviços no Brasil e no mundo têm utilizado uma variação desta técnica, obtendo imagens em pronação, sob a premissa de que isto melhora a acurácia diagnóstica da cintilografia miocárdica. 

Embora disseminada, Lucas percebeu que a técnica de prona carece de validação científica, como muitas coisas que fazemos em medicina. Sendo assim, testar a hipótese de que a técnica que inclui imagens em prona é superior à técnica tradicional tornou-se o objetivo de seu projeto de doutorado. 

A discussão deste elegante projeto nos trouxe a oportunidade de relembrar as medidas de acurácia dos métodos (sensibilidade e especificidade), assim como discutir aspectos metodológicos deste tipo de estudo. 

Sabemos que uma peça chave dos estudos de acurácia é a escolha do padrão-ouro, o método que servirá para definir se o teste em avaliação (cintilografia) está corretamente caracterizando os pacientes em doentes ou saudáveis. Na doença coronária o padrão-ouro usual é um teste invasivo, a coronariografia. Isto traz uma natural dificuldade em ter este exame em todos os pacientes, o que pode gerar o denominado viés de verificação, o qual superestima a sensibilidade e subestima a especificidade. Isto de fato pode ocorrer, pois na discussão consideramos menos factível que o paciente fosse recrutado a partir da indicação clínica de um cateterismo, o que garantiria que todos tivessem esse exame.

No entanto, este viés fica amenizado pois o objetivo primordial do estudo é testar a hipótese de que imagens em prona promovem melhor acurácia do que o método convencional. Sendo assim, independente do valor descrito da acurácia, o mais importante é a comparação entre os métodos e ambos estariam sujeitos ao dito viés, igualando o problema. É como se o viés estivesse presente no caráter descritivo do estudo, mas não há viés no caráter analítico (comparativo). Pois estamos comparando coisas com o mesmo viés, desaparecendo a tendenciosidade. Desta forma, concluímos que o recrutamento de pacientes a partir do setor de cintilografia possivelmente será suficiente. 

É um exemplo do quanto é importante ter clara a pergunta da pesquisa, pois este influencia a análise do quanto o protocolo está no caminho certo. Exemplo também de que o ótimo é inimigo do bom e muitas vezes procurar o projeto ideal nos impede de concretizar nossa pesquisa. 

Feito é melhor que perfeito. 

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Prevalência de Fatores de Risco Cardiovascular de acordo com Funções Laborais em Colaboradores de um Hospital Terciário




Em nossa terceira sessão científica, tivemos a participação dos pesquisadores da Medicina do Trabalho do HSR.
 
Nesta sessão, Dra. Ana Paula Teixeira (coordenadora da Medicina do Trabalho) e Dr. Romário Filho (médico e pesquisador do setor) apresentaram o Projeto que descreve os fatores de risco nos indivíduos acompanhados pela medicina do trabalho. Há um grande banco de dados, que está sendo trabalhado em colaboração com o pessoal da informática.
Falamos na reunião passada da translação da assistência para ciência, exemplificada pelo projeto da pediatria. Nesta, percebemos a translação de uma atividade primariamente gerencial (trabalhista) para a geração de conhecimento científico, aplicável na assistência. É um entrelaçamento interessante. 
Percebemos que a Medicina no Trabalho tem um grande potencial de desenvolver ciência, visto que o acompanhamento anual dos funcionário representa uma grande coorte prospectiva

Foi colocado por Romário o objetivo primário de descrever a prevalência de fatores de risco nos funcionários de um hospital terciário, usando o HSR como amostra. Além disso, será feita a interessante comparação entre os diferentes grupos laborais. Por exemplo, quem tem mais risco cardiovascular: médico ou enfermeiro? médico assistencial ou médico gerencial? líderes ou liderados?

E foi avançando nesta discussão que surgiu a ideia de instituir um ensaio clínico randomizado, comparando diferentes estratégias de controle de fatores de risco. Na prática, o HSR já realiza um programa deste tipo. É apenas adaptar esta metodologia para um modelo randomizado, onde se compara estratégias de prevenção.

Mas qual a melhor estratégia?

Usualmente, nós partimos da premissa de que algo pode ser benéfico e acreditamos tanto que nunca pensamos em testar. O paradigma científico nos traz para a realidade de que mesmo coisas plausíveis precisam ser testadas, pois plausibilidade não é prova de conceito, apenas geradora de hipótese. 

O bom cientista é o que sabe fazer perguntas, não o que acredita ter todas as suas respostas. É o que se protege do "complexo de Deus".

Será que promover caminhadas na hora do almoço faz as pessoas perderem peso? Talvez sim, mas talvez eles se sintam mais livres para fazer um lanche calórico à tarde, ultrapassando na ingesta a pequena perda de caloria da caminhada. Onde está a verdade?

Ao final, nossa gerente médica Ana Verena fez o feliz comentário de que o clima religioso do HSR deve servir para nós de exemplo, para que criemos um clima científico nos mesmos moldes. Essa é nossa Missão.

Ciência vai virar religião no HSR.



Eficácia de Protocolo de Qualidade Assistencial para Tratamento de Pneumonia em Crianças


Em nossa segunda Sessão Científica, Roberto Salponik, coordenador da Pediatria do HSR, protagonizou a transformação científica do que originalmente representou um projeto de qualidade assistencial da pediatria para tratamento de pneumonia em crianças.

Este projeto recebeu o merecido prêmio de melhor trabalho feito por um residente no ano 2013 em nosso Hospital. Agora a pediatria está desenvolvendo uma análise mais elaborada para fins de publicar esse trabalho em forma de artigo científico. 

Inicialmente a discussão foi focada na definição do objetivo do estudo, que é o pilar de qualquer projeto científico. O objetivo do estudo deve explicitar a pergunta da pesquisa. Qual a pergunta que mais interessa neste contexto? A efetividade do protocolo. 

Sendo assim, definiu-se como o objetivo testar a efetividade do protocolo. 

Neste momento, discutiu-se a diferença de eficácia e efetividade. Eficácia é a prova do conceito em estudo experimental que traz um cenário ideal para avaliação de causalidade: um ensaio clínico randomizado. Já efetividade avalia o efeito no mundo real, sendo um desenho mais aberto (sujeito a vieses), porém mais próximo da realidade prática. Por este motivo, a pergunta diz respeito a efetividade. Ou seja, parte-se da premissa de que há eficácia e agora queremos avaliar o impacto em um cenário real de pacientes. Esta foi uma enriquecedora discussão do ponto de vista didático, que permitiu também clarear a mente de todos a respeito do objetivo do estudo.

Em seguida, partiu-se para a metodologia, onde foi discutido qual o desfecho primário na representação da efetividade. Idealmente, seria um desfecho clínico grave (morte, intubação, etc), porém estes desfechos são multifatoriais e o estudo pode ser pouco sensível para reconhecer estes tipos de impacto. Portanto, escolheu-se um desfecho numérico e possivelmente mais sensível, o tempo de internamento.

Este estudo não tem grupo controle, apenas avalia o desfecho ao longo do tempo da aplicação do protocolo. Se houver efeito, haverá uma tendência a queda progressiva. Será então feita uma análise por ANOVA comparando o tempo entre períodos sequenciais de 6 meses. Também será avaliado o coeficiente de variabilidade do tempo dentro de cada período, pois menos variabilidade pode representar melhora da consistência da equipe em gerar uniformidade de resultados entre os pacientes. 

Diversos desfechos secundários serão também avaliados, como geradores de hipótese. 

No final da discussão, o residente de clínica médica Caio Henri gerou uma importante questão: se o protocolo é aplicado a toda população de crianças com pneumonia do HSR (não é amostra), porque há análise estatística? A resposta a este questionamento chama atenção da importância de se distinguir uma análise de qualidade assistencial de uma análise científica:

Sim, do ponto de vista assistencial, estamos avaliando a população do HSR. 

Mas do ponto de vista científico, estamos usando nossos pacientes para testar um conceito a ser aplicado por outros grupos, outros hospitais. Cientificamente, a população-alvo é "crianças com pneumonia" e nossos pacientes não passam de uma amostra de conveniência desta população-alvo.

A discussão provocou muitas reflexões, a ponto de Roberto Salponik, em seu típico entusiasmo, pedir espaço para uma nova discussão de seu trabalho dentro de dois meses. 

Eficácia Funcional de um Programa de Reabilitação em Pacientes Dialíticos


Este foi o primeiro projeto de pesquisa discutido na nova Sessão Científica de nosso Hospital. A linha de pesquisa é coordenada pelo fisioterapia Thelso Silva, cujos resultados já foram apresentados em congressos, gerando também um artigo científico completo. Na primeira etapa, os pesquisadores avaliaram o resultado fisiológico e em qualidade de vida de exercícios durante hemodiálise, usando um desenho de avaliação antes-depois (modelo quasi-experimental). 

O sucesso do projeto inicial motivou os investigadores a aprimorar sua linha de pesquisa, agora evoluindo para um desenho de ensaio clínico randomizado. Thelso apresentou seu projeto, cujo objetivo é testar a eficácia de uma programa de exercício aeróbio na melhora capacidade funcional dos pacientes do serviço de diálise do HSR, a ser mensurada pelo teste de caminhada. Agora com a presença do grupo controle, uma eventual associação entre intervenção e desfecho ficará melhor caracterizada como causal. Além disso, o desenho randomizado eliminará fatores de confusão. 

Naturalmente, surgiu o questionamento ético de não realizar a intervenção em metade dos pacientes, aqueles randomizados para controle. Esta questão foi respondida pelo princípio da equipoise, que se baseia na ausência de demonstração prévia definitiva a respeito do benefício (ou malefícios) da intervenção, não caracterizando que estes indivíduos como deixando de receber algo benéfico. Mesmo assim, o protocolo prevê o oferecimento da fisioterapia para o grupo controle após o término do estudo, que terá 12 semanas de duração. 

Foi também questionado se o caráter aberto do estudo (não cego) poderia fazer com que o grupo controle imitasse o grupo intervenção e passasse a fazer o exercício por conta própria. Mas Thelso explicou que o exercício será feito com um equipamento especial de bicicleta ergométrica adaptável à cadeira de diálise. 

Por fim, durante o brainstorm, surgiu a ideia de aprimorar o desenho para o ensaio clínico em crossover, onde os randomizados inicialmente para tratamento migrarão para controle após 8 semanas e os randomizados para controle realizarão o tratamento. Características que se adaptam a este tipo de desenho são variável de desfecho numérica (que pode aumentar ou reduzir a depender da intervenção); efeito do tratamento potencialmente reversível em período de wash-out; tratamento de curta duração (de forma que o status clínico do paciente não muda ao longo do tempo). Desta forma, o paciente passará a ser seu próprio controle.

Esta sessão foi um exemplo do quanto a discussão de um projeto permite o aprendizado do grupo em metodologia científica e dá oportunidade para o surgimento de ideias com potencial de aprimorar o trabalho.